Templos são invadidos e profanados. Em outros casos, há agressões
verbais, destruição de imagens sacras e até ataques incendiários ou tentativas
de homicídio. O cenário preocupa adeptos de diversas religiões e, em pelo menos
oito Estados, o Ministério Público investiga ocorrências recentes de
intolerância. Entre janeiro de 2015 e o primeiro semestre deste ano, o Brasil
registrou uma denúncia a cada 15 horas, mostram dados do Ministério dos
Direitos Humanos (MDH). Segundo levantamento da pasta, o Disque 100, canal que
reúne denúncias, recebeu 1.486 relatos de discriminação religiosa no período,
de xingamentos a medidas de órgãos públicos que violam a liberdade religiosa.
"E sempre há mais casos do que os relatados", explica Fabiano de
Souza Lima, coordenador-geral do Disque 100. "A subnotificação é alta,
considerando o cenário nacional", diz. "Algumas pessoas não querem se
envolver e preferem permanecer no anonimato a denunciar". Só neste ano
foram registrados 169 casos: 35 em São Paulo, 33 no Rio e 14 em Minas, Estados
com maior número de ocorrências informadas.
Comparado ao mesmo período de 2016,
haveria recuo de 55%, mas Lima explica que a oscilação de denúncias não reflete
a realidade. "Quando você vir um número maior em um ano, é certo que
houve divulgação do problema, por meio de campanhas". Um exemplo, diz, é
que em 2016, ano da campanha nacional Filhos do Brasil, houve registro recorde
de 759 casos. Em agosto, a Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, em Santo André,
no ABC paulista, foi invadida. Os suspeitos arrombaram o sacrário, furtaram a
âmbula e atiraram hóstias no chão. "Para nós, a eucaristia é o mais
sagrado: o corpo de Cristo. Houve profanação", diz o padre Renato
Fernandez.
Para ele, a sensação é de aumento das ocorrências. "No passado,
havia um respeito pelos templos e pela Igreja", afirma. "Deixar a
eucaristia jogada diz que, para eles, não significa nada". A análise de
2017 aponta que a maioria das vítimas de intolerância é de religiões de origem
africana, com 39% das denúncias. Lideram o ranking umbanda (26 casos),
candomblé (22) e as chamadas matrizes africanas (18). Depois, vêm a católica
(17) e a evangélica (14). Recentemente, um templo de candomblé foi incendiado
em Jundiaí, na Grande São Paulo. O ataque destruiu 80% da casa, além de equipamentos
e instrumentos musicais, mas não impediu a mãe de santo Rosana dos Santos, a
Iya Abayomi Rosana, de continuar o ofício religioso. "Agora, coloco uma
mesa embaixo de uma árvore, ao lado dos escombros, e atendo lá", afirma.
"A fé cabe em qualquer lugar, pois Deus e os orixás estão em toda
parte".
O templo funcionava havia dez anos e nunca havia registrado
ameaça. "Não foi nada pessoal, foi contra nossa religião, de matriz
africana", diz ela, que trabalha para reconstruir o lugar. "Era solo
sagrado, existiu muito amor lá". Líder do Brasil Contra a Intolerância
Religiosa, Diego Montone critica a ausência de legislação específica.
"Temos de nos basear criminalmente e até civilmente em outros
crimes". Cláudio Bertolli Filho, antropólogo da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), diz que a intolerância é resultado da "dificuldade de
conviver com a diversidade". "A forma viável de as religiões
conviverem pacificamente é todas elas assumirem que não existe religião
verdadeira ou religião falsa". Para o antropólogo João Baptista, professor
emérito da Universidade de São Paulo (USP), uma religião "pode ser
intolerante porque quer dominar ou porque é vítima da intolerância". Ela
se torna intolerante, segundo ele, "porque se fecha sobre si mesma".
Entre os suspeitos identificados pelo MDH em 2017, a maioria é mulher. Um caso
recente foi o da pastora Zélia Ribeiro, da igreja evangélica Razão do Viver, de
Botucatu, flagrada destruindo imagens de Nossa Senhora Aparecida a marteladas.
"Já pedi desculpas. Também fui vítima da intolerância, postaram muita
coisa na internet, chegaram a dizer que eu tinha morrido". Levantamento do
Estado mostra que ao menos oito Ministérios Públicos Estaduais investigam
intolerância. Em São Paulo, foram 123 procedimentos em dois anos - um a cada 10
dias. Em um dos mais graves, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, um
vizinho esfaqueou quatro pessoas em um terreiro.
Na Bahia, são 132
procedimentos entre 2014 e 2017. No Paraná, são seis inquéritos neste ano. Um
deles é de um babalorixá que se negou a retirar uma oferenda de uma esquina e
cerca de 30 pessoas, com paus e pedras, quebraram seu carro e agrediram filhos
de santo. Também há casos apurados por Rio, Goiás, Mato Grosso do Sul,
Piauí e Distrito Federal. Os outros Estados não responderam ou informaram não
haver denúncias.
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