Especialista da ONG Todos pela Educação, Ivan Gontijo traça ao bahia.ba um panorama da crise sanitária no desempenho de alunos
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil |
Um dos lugares onde mais existe aglomeração de pessoas, as salas de aula estão vazias desde quando foram iniciadas as medidas de distanciamento social propostas pelas autoridades para contenção da pandemia do novo coronavírus. O ensino domiciliar, que pautou as discussões do Ministério da Educação no início do ano passado, passou a ser a única alternativa para esse período. Um mês depois das medidas, já é possível um prognóstico: os impactos vão ser duradouros, principalmente nas lacunas de aprendizagem que já existem.
A avaliação é de Ivan Gontijo, coordenador de Projetos da Todos pela Educação, organização sem fins lucrativos que tem como objetivo assegurar o direito à educação básica de qualidade. Em entrevista ao bahia.ba, o professor lembrou que a educação domiciliar é a melhor estratégia que se poderia adotar no período, já que quebrar o vínculo do aluno com a escola poderia potencializar a queda na aprendizagem. No entanto, essa alternativa implica problemas na qualidade do ensino e na desigualdade de acesso a ele.
“Os níveis de aprendizagem são maiores no modelo presencial do que à distância. E a gente tem que ter olhar muito específico para a desigualdade. Alunos que têm melhor desempenho e mais acesso a recursos tecnológicos vão aprender mais nesse período, e alunos que não têm vão aprender menos. Tem que ter olhar para a qualidade e para a desigualdade, porque os recursos tecnológicos estão distribuídos de forma totalmente desigual dentro da sociedade”, analisa.
É por esse motivo que as escolas precisariam adotar diferentes estratégias para o momento atual. Gontijo cita três – todas com vantagens e desvantagens.
Por exemplo, a migração das aulas para a televisão aberta é uma alternativa positiva quando considerado o alcance. No entanto, há tendência de transpor o modelo presencial para o modelo virtual, já que é o professor falando para uma câmera. Isso engaja pouco os alunos e tem grau menor de personalização.
O uso de plataformas de ensino à distância ou aplicativos, por outro lado, supre a necessidade da personalização e interatividade, que podem despertar mais interesse dos alunos. Mas esbarra no acesso desigual a recursos tecnológicos, já que nem todas as famílias têm um celular conectado à internet à disposição do estudante.
Imprimir o material didático e entregá-lo aos alunos é uma solução mais justa em termos de acesso. No entanto, tem a desvantagem de colocar o aluno na condição de aprender sozinho, uma vez que os pais na maioria dos casos não são tão preparados para ensinar.
Soluções para as lacunas no aprendizado
Até por não haver um modelo ideal, é consenso que as lacunas de aprendizagem serão potencializadas. Primeiro, porque o sistema educacional não tem tido tempo de curar as dificuldades que já existem na educação básica. Segundo, porque o distanciamento da escola tende a aprofundar o esquecimento do que os alunos aprenderam.
O coordenador de Projetos da Todos pela Educação, Ivan Gontijo, destaca que as redes de ensino precisam priorizar conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com diretores, coordenadores e professores. Já que haverá restrição de tempo para encerrar o ano letivo, é preciso definir o que é mais importante dentro do currículo. A partir disso, deverá ser feita uma avaliação diagnóstica dos alunos com relação a essas competências centrais.
Apesar de a base ser nacional, a estratégia precisará ser personalizada conforme cada rede.
“Existe diversidade regional muito grande, então, talvez o conteúdo que seja muito importante numa região não seja em outra. Acho difícil ter definição a nível nacional sobre isso. A definição tem que ser feita dentro das redes de ensino, com diretores e coordenadores”, observa.
O Ministério da Educação (MEC) pode assumir a coordenação em outros aspectos, de acordo com Gontijo. Um deles é a decisão sobre manutenção ou não de avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas até mesmo o posicionamento da pasta sobre isso parece desconsiderar a realidade desigual dos alunos, já que quem não tem acesso a recursos de aprendizagem nesse período de pandemia pode ter mais dificuldade para fazer o exame.
“O ministro está preocupado com outras pautas nesse momento. O MEC está completamente fora desse debate”, observa.
De todo modo, Gontijo defende uma estratégia de retorno coerente e robusta, que pense em como apoiar os alunos que mais precisam. O especialista considera que dois fatores são fundamentais: acolhimento psicológico e avaliação diagnóstica.
“Pra entender quais conteúdos estão mais defasados, onde professores podem focar e quais estratégias de reforço. Vão ser EAD? Alunos vão ficar no contraturno? Vão ter aulas aos sábados?”, acrescenta.
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