Professora da UFPE relaciona esta imagem ao papel histórico que o Nordeste desempenha na divisão regional do trabalho
É celebrado nesta quinta-feira, dia 8 de outubro, o Dia
do Nordestino. Para além de sentimentos como pertencimento ou orgulho, a data
traz a oportunidade de refletir sobre qual papel e qual imagem foram atribuídos
ao nordestino e à região como um todo ao longo do tempo. E a partir disso,
entender o peso da carga histórica e da conjuntura política, social e econômica
atual na representação direcionada ao povo do Nordeste a nível nacional e
regional.
O
Brasil de Fato Pernambuco entrevistou a professora do Departamento de Serviço
Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Evelyne Medeiros, sobre o assunto. Doutora em Serviço Social, a
professora estudou a questão social no Nordeste brasileiro. Confira as
principais partes da conversa:
Imagem do Nordeste
A imagem que tem sido designada ao
Nordeste é a de região problema, atrasada e subdesenvolvida. "Essa imagem
historicamente atribuída ao nordestino tem relação direta com o papel histórico
que essa região desempenha na divisão regional do trabalho dentro do
desenvolvimento capitalista". Evelyne aponta que o Brasil integra as
regiões, mas integra de forma desigual. Segundo ela, é a forma que o
capitalismo se desenvolve internamente no país, e faz uma analogia quanto a
dependência do Brasil em relação a outros países, que internamente, se
manifesta com a desigualdade entre as regiões. "A relação de dependência
que acontece externamente se reproduz também internamente através dessa
divisão regional do trabalho e dessa integração desintegradora das
regiões."
Para ela, o papel desempenhado pela
região é fundamental para a produção de riqueza, na transferência de matéria
prima e recursos naturais, para o Brasil, sobretudo na exportação e reprodução
de força de trabalho barata para outras regiões e para a manutenção das elites
locais. "Não fosse assim, não teríamos uma produção incessante de pobreza
e desigualdades, ao mesmo tempo em que se alcança patamares nunca vistos de
riqueza no país, mas riquezas essas que são cada vez mais acumuladas
privadamente por poucas famílias bilionárias. A pandemia, inclusive, escancara
isso”, aponta.
Modernização limitada
A professora explica que o Brasil se
moderniza de maneira limitada: o limite da dependência, da desintegração
desigual e que conserva os setores dominantes. "Esses setores dominantes
sempre tiveram completa rejeição a qualquer tipo de mudança social e de
melhoria do povo, porque isso implica necessariamente no processo de
conscientização e de melhor condição da luta de classe, do ponto de vista dos
trabalhadores e trabalhadoras"
Essas elites locais tentam anular e
apagar a memória de resistência e de luta popular da região. "Por tudo
isso, incomoda tanto que os nordestinos rompam as fronteiras, conheçam
melhor os seus recursos técnicos do seu próprio trabalho, criem, desobedeçam o
sentimento e a expectativa folclorizante, idílica e mistificadora do povo
nordestino”, explica.
Nordeste durante governos progressistas
A professora explica que o Nordeste
foi protagonista de um enfrentamento às desigualdades regionais durante os
governos progressistas a partir do início dos anos 2000. "Houve uma
centralidade no Nordeste, os números mostram a quantidade de recursos que foram
aportados para a região, especialmente programas de transferência de renda,
habitacionais, de acesso à água, desenvolvimento e criação de polos
industriais. É inegável e errado subestimar o papel que tiveram essas
políticas". Ela aponta que essas iniciativas foram essenciais para a
melhoria das condições de vida do povo.
Porém, ela sinaliza também a rápida
reversão que essas políticas sofreram após o golpe de 2016. "Houve uma
ausência de um maior investimento em políticas estruturantes, políticas
voltadas para o trabalho e que oferecem um impacto mais permanente na vida do
povo. Essa ausência fez com que rapidamente todos esses ganhos fossem
revertidos numa velocidade enorme após o golpe de 2016. Hoje a gente vê o
rebaixamento da condição de vida do povo nordestino".
Reconquista do Nordeste no governo atual
Para a professora, a região vive no
governo atual uma tentativa de reconquista do Nordeste. "Existe hoje um
conjunto de iniciativas por parte do Governo Federal e especialmente da figura
do presidente para interferir de forma mais incisiva no Nordeste na disputa de
hegemonia. Não é à toa uma agenda intensa de visitas e inaugurações de obras na
região. São políticas de reconquistas do Nordeste, do ponto de vista de
reforçar os níveis de exploração, reforçar o compasso entre modernização e
conservação e colocar novamente a questão regional no centro da questão
nacional".
Dia do Nordeste
Em um dia para se pensar o que
significa ser nordestino e o que representa uma data como o Dia do Nordestino,
Evelyne diz que o sentimento é contraditório. "A nossa história não é
harmônica, é uma história atravessada por conflitos. Dentro dessa contradição
do sentimento de ser nordestina nesse momento histórico, há uma sensação que é
a necessidade de rememorar e de tornar vivo o processo de resistência do qual
nós fomos e somos protagonistas. É saber que há esse potencial de luta e que
isso, uma hora ou outra, deve romper esse limbo que a história está nos
colocando". Evelyne finaliza dizendo que, embora massacrada e ameaçada, a
memória da resistência anda viva.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição:
Vanessa Gonzaga
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