Dinheiro jogado fora: Documentos mostram que obsessão doentia de Bolsonaro pela cloroquina, remédio sem eficácia contra a Covid, levou a gastos milionários de recursos públicos emergenciais destinados a assistir pacientes da doença





Documentos mostram que o governo Bolsonaro, por meio do Ministério da Saúde, usou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina. A produção foi feita com recursos públicos emergenciais, voltados a ações contra a Covid-19 e com destinação prevista do medicamento a pacientes com coronavírus.

Esses documentos da pasta foram obtidos pela Folha de S.Paulo, com datas de 29 de junho e 6 de outubro. Eles mostram a produção de cloroquina e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) pela Fiocruz, com destinação a pacientes com covid-19. Os dois medicamentos não têm eficácia contra a covid-19, segundo estudos.

O dinheiro que financiou a produção de cloroquina partiu da MP (Medida Provisória) nº 940, editada em 2 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro para o enfrentamento de emergência do novo coronavírus, como consta nos dois documentos enviados pelo Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília. A MP abriu um crédito extraordinário, em favor do ministério, no valor de R$ 9,44 bilhões.

Para a Fiocruz, que é vinculada à pasta, foram destinados R$ 457,3 milhões para “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Na exposição de motivos sobre a MP, não houve detalhamento de como o dinheiro seria gasto. O texto da Presidência da República enviado ao Congresso fala em “produção de medicamentos”.

Os documentos enviados ao MPF apontam gastos de R$ 70,4 milhões, oriundos da MP, com a produção de cloroquina e Tamiflu pela Fiocruz.

Os ofícios associam a produção dos dois medicamentos aos recursos destravados para a pandemia. As drogas se destinam a pacientes com Covid-19, segundo os mesmos ofícios, elaborados por uma coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.

No Brasil, a Fiocruz é a responsável pela importação e produção da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. A Fiocruz também desenvolve pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina nacional.

Segundo a instituição, a produção de cloroquina e de Tamiflu não impactou as ações voltadas a pesquisas, testes e desenvolvimento de imunizantes, por se tratarem de unidades distintas no órgão.

A cloroquina e o governo Bolsonaro

Março de 2020
Bolsonaro começa a defender a cloroquina e diz já ter dado ordem para Exército ampliar a produção do medicamento em seu Laboratório Químico Farmacêutico

Abril de 2020
Presidente publica medida provisória liberando crédito extraordinário a Ministério da Saúde e Fiocruz
Entre outros objetivos, previsão do dinheiro é para produção de medicamentos

Maio de 2020
Parecer técnico do ministério recomenda uso de Tamiflu durante a pandemia em casos de gripe e síndrome aguda respiratória grave

Junho de 2020
Fiocruz já produz cloroquina e Tamiflu com recursos liberados pela MP voltada a ações contra a pandemia

Julho de 2020
Ministério adquire todo o Tamiflu produzido por Fiocruz

Agosto de 2020
Guia do ministério é atualizado e orienta “tratamento precoce” com cloroquina. No mesmo mês, a Fiocruz anuncia acordo com AstraZeneca e Universidade de Oxford para produção de vacina contra a Covid

Outubro de 2020
Está em andamento o processo de aquisição, pelo Ministério da Saúde, de 4 milhões de comprimidos de cloroquina produzidos pela Fiocruz

Janeiro de 2021
Governo Bolsonaro, diante do avanço de investigações sobre o gasto de dinheiro público com medicamentos sem eficácia, começa a ensaiar um recuo na defesa da cloroquina