Enquanto Bolsonaro vocifera a defesa pelo voto impresso, deputados defendem a eleição majoritária para o parlamento e os partidos funcionam como empresas privadas financiadas com dinheiro público. Assim, a democracia deteriora, a partir de mecanismos e ideias que excluem parcelas importantes da sociedad


Anderson Pires*

A democracia brasileira é frágil. A história atesta essa afirmação pelos períodos de ditadura que passamos e recorrentes mudanças nos processos eleitorais. Praticamente em todas as eleições temos mudanças na legislação, sempre com intuito de garantir interesses de grupos que transformam cargos eletivos em propriedade particular.

Nem vamos entrar nas questões relativas a outras carreiras de estado, que extrapolam suas competências e promovem ativismo de maneira explícita, como é o caso de membros do judiciário, do Ministério Público, polícias e órgãos de controle. São muitos os exemplos de processos e ações que interferiram nos resultados eleitorais. Agem como agentes políticos sem mandato e desrespeitam a Constituição e os direitos individuais.

Num país que teve a reeleição aprovada com votos comprados no Congresso Nacional, qualquer outra alteração na legislação eleitoral pode parecer pequena. Mas sempre terá algo a ser modificado para atacar a democracia e restringir ainda mais a participação plural e proporcional nos espaços de poder. A novidade é a tramitação da PEC do Distritão para eleições de deputados em 2022.

Em paralelo, temos o presidente Bolsonaro a questionar a lisura das eleições no Brasil. Acusa a existência de fraude sem provas, apesar de ser um sistema aprovado em diversos pleitos, exemplo de agilidade e segurança. Os questionamentos abrem espaço para o discurso de negação a democracia e movimento de resistência em caso de derrota, como fez o ex-presidente americano, Dolnald Trump.

A solução para Bolsonaro seria a volta do voto impresso. Segundo ele, uma forma de auditar as eleições. Em pleno século XXI, quando os meios digitais são facilmente auditados, o presidente lança uma proposta esdrúxula, nos moldes da Velha República. Essa forma de votar era perfeita para os coronéis manipularem eleições, pelo uso do cabresto e fraudes como o voto formiguinha. Certamente, as milícias terão um vasto campo para atuar, caso isso aconteça.

Voltando a questão do Distritão, teremos, talvez, um ataque ainda mais grave a democracia. Nessa proposta, o voto para deputados passaria a seguir as mesmas regras das eleições majoritárias, em que os mais votados são eleitos e acaba com a proporcionalidade por partidos. Para muitos pode parecer mais justo. Afinal, se um candidato foi mais votado que outro deveria ser o eleito.

É nessa hora que precisamos resgatar os princípios que regem as eleições proporcionais e qual o papel dos partidos na sociedade. O parlamento foi criado como espaço para abrigar os diferentes. A proporcionalidade é a forma de contemplar a representação do maior número de pessoas, notadamente, as minorias e os que são derrotados nas eleições majoritárias.

Para que isso seja possível, os partidos foram criados para que representem partes da sociedade, com base em ideário comum aos seus integrantes. Não é por acaso que a denominação das organizações partidárias deve expressar qual orientação ideológica seguem. Logo, os espaços no parlamento devem ser reservados a grupos de representação e não a personalidades eleitas de forma majoritária. É por essa razão que o candidato de um partido que recebeu 80 mil votos é menos representativo que dez candidatos um outro partido com 10 mil votos cada. Uma parte maior da sociedade será representada por intermédio de um dos seus membros, visto que, coletivamente, obtiveram 100 mil votos.

É essa forma coletiva de representação que querem acabar. O distritão servirá para transformar a política em ainda mais individual e personalista. Tirará de grande parte da sociedade o direito de representação no parlamento. Pautas que contemplem grupos específicos, principalmente os mais vulneráveis, podem ficar sem espaço de interlocução e defesa.

Porém, sem o distritão também temos muitas distorções e os principais espaços na política são ocupados pelos mesmos durante décadas. Em algumas situações, temos repetidas sucessões familiares. Mostra que independente do modelo eleitoral adotado, as eleições privilegiam segmentos.

O cerne dessa questão está na democracia interna dos partidos, algo que os políticos não querem tratar, pois, serve para que mantenham o controle do espaço que proporciona acesso ao parlamento e o executivo e, também, administrar recursos dos fundos partidários e eleitorais.

A maioria dos partidos são constituídos no Brasil por estatutos antidemocráticos. Acabam convertidos em instituições privadas. Isso estimula que muitos criem novos partidos para chamarem de seus. Antes de discutir mudanças no sistema eleitoral, é preciso que seja aprovada uma reforma partidária que acabe com vícios históricos e garanta democracia interna.

Se hoje temos dezenas de partidos no Brasil que são votados sem qualquer identidade ideológica, também é decorrente dessa falta de critérios para formação de novas siglas, sem que fique claro qual o programa e parte da sociedade representam.

Enquanto Bolsonaro vocifera a defesa pelo voto impresso, deputados defendem a eleição majoritária para o parlamento e os partidos funcionam como empresas privadas financiadas com dinheiro público. Assim, a democracia deteriora, a partir de mecanismos e ideias que excluem parcelas importantes da sociedade.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.