Grupo beneficiado é suspeito de atuar na terra indígena yanomami, maior do Brasil
A juíza federal de segunda instância Maria do Carmo Cardoso, que é próxima da família Bolsonaro, liberou recursos e aeronaves de um grupo suspeito de atuação em garimpo ilegal de ouro na terra indígena yanomami, a maior do Brasil.
Os bens haviam sido sequestrados por decisão da Justiça Federal em Roraima, com base em investigações da Polícia Federal e do MPF (Ministério Público Federal).
Os empresários que obtiveram a decisão favorável da magistrada são acusados de integrar uma organização criminosa para exploração ilegal de ouro, crimes ambientais e lavagem de dinheiro.
Três processos em curso na Justiça Federal resultaram na apreensão de bens, entre eles nove aeronaves, determinada por um juiz de primeira instância.
Uma operação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e da PF nas dependências de uma das empresas investigadas, em 26 de agosto, já havia resultado na apreensão de nove helicópteros. A suspeita é de que as aeronaves dão suporte logístico ao garimpo na terra yanomami.
A pilhagem de ouro na região explodiu desde a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência da República. O presidente defende mineração em terras indígenas e não se opõe aos garimpos ilegais.
Associações de indígenas estimam que 20 mil garimpeiros estão na terra yanomami, com a permanência garantida por donos de balsas, dragas, "tatuzões" e aeronaves.
A juíza Maria do Carmo, que atua no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, concordou com habeas corpus impetrado pela defesa do empresário Rodrigo Martins de Mello e concedeu salvo-conduto a ele e a um segundo investigado.
O salvo-conduto impediria prisões dos investigados, que chegaram a ser solicitadas no curso dos inquéritos, mas acabaram negadas pela Justiça Federal em Roraima. Foram autorizadas, na primeira instância, buscas e apreensões e sequestros de bens e valores.
Maria do Carmo, na liminar deferida em 14 de dezembro, determinou a liberação de 50% dos valores e bens sequestrados, "para que [os investigados] possam dar continuidade a suas atividades financeiras".
A juíza é amiga do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho 01 do presidente, e foi decisiva para a indicação de Nunes Marques ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Chamada de "Tia Carminha" pela família Bolsonaro, ela atua como uma espécie de conselheira jurídica da família.
"Não restou evidenciada a demonstração do risco de dano grave ou de difícil reparação, uma vez que o conteúdo documental demonstra as autorizações legais e ambientais necessárias para a prática profissional de extração de minérios e aviação na região", afirmou a juíza na decisão que liberou bens ao grupo investigado.
Ainda segundo a magistrada, "há elementos sobre possível ilicitude na cadeia de provas".
A Justiça Federal em Roraima determinou sequestro de valores, ativos financeiros e bens da empresa Cataratas Poços Artesianos e de Rodrigo Martins de Mello e Celso Rodrigo de Mello; o sequestro de três aeronaves e a indisponibilidade de outras seis; e a suspensão de qualquer atividade econômica e empresarial desenvolvida pelos investigados.
No caso de Rodrigo, o bloqueio de valores deveria ser de R$ 3,3 milhões. De Celso, R$ 158,7 mil.
Em 19 de setembro, o jornal Folha de S.Paulo mostrou em reportagem que o governo Bolsonaro pagou R$ 75 milhões a empresas que fazem uso de helicópteros suspeitos de garantir a logística em garimpos ilegais em terras indígenas na Amazônia.
A fatia mais expressiva dos pagamentos é do Ministério da Saúde, para fins de saúde indígena.
Aeronaves suspeitas de atuar em garimpos ilegais também fazem transporte de indígenas e profissionais de saúde.
A ação da Anac em Boa Vista, que resultou em apreensão de helicópteros, ocorreu nas dependências da Cataratas Poços Artesianos. Rodrigo era um dos sócios da Cataratas e também um dos donos da Icaraí Turismo Táxi Aéreo.
Até setembro, a Icaraí havia recebido R$ 23,5 milhões do governo Bolsonaro. A Cataratas recebeu R$ 8,6 milhões até 2018, antes da atual gestão.
O MPF apontou, em detalhes, razões para que a juíza do TRF-1 não concedesse o salvo-conduto e a liberação de bens requerida pela defesa dos investigados. A peça da Procuradoria Regional da República da 1ª Região foi concluída em 13 de dezembro, um dia antes da decisão de Maria do Carmo.
Um grupo criminoso atuou no transporte aéreo de insumos necessários à extração de ouro em garimpos ilegais em Roraima e até na posterior comercialização do minério, segundo o MPF. Houve atuação de laranjas.
"A decisão que deferiu as medidas cautelares de busca e apreensão de documentos, de sequestro judicial dos helicópteros e de ativos financeiros demonstra, de forma suficientemente concreta, a subsistência de indícios expressivos a fundamentar a medida excepcional", afirmou o MPF ao TRF-1.
Empresários e sócios investigados fizeram "movimentações financeiras vultosas", a partir de exploração de ouro ilegal em Roraima e lavagem de dinheiro, conforme a acusação.
Advogada responsável pelo habeas corpus no TRF-1, Ana Paula de Souza Cruz afirma, em nota, que a decisão da juíza Maria do Carmo "consagra o real sentido da justiça, porque a condução das investigações está ocorrendo de forma desproporcional pelas autoridades, e até ilegal em alguns momentos".
A liberação de 50% dos valores sequestrados e bens apreendidos contempla as aeronaves, segundo a advogada. "No entanto, até o presente momento, nenhuma aeronave foi liberada pelo magistrado de primeira instância. Elas seguem apreendidas na PF."(bnews.com.br)
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