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Há um dado que parece surpreendente nas gravações, com áudios de registros de 1975 a 1985, em que ministros do Superior Tribunal Militar analisam denúncias de tortura na ditadura.
O dado é esse: muitas das falas, mesmo que com certo cuidado, vão na direção da condenação das torturas. Mesmo que alguns ministros fizessem piadas com a tortura, há por parte de outros um certo constrangimento, que parece sincero, nas intervenções sobre casos examinados.
O surpreendente aqui é que ministros da justiça militar (alguns e talvez não a maioria), do tempo da ditadura, mesmo que tenham sido omissos, pareciam envergonhados diante da tortura como instrumento “a serviço da democracia”, como muitos defendem descaradamente hoje.
A análise mais aprofundada das gravações agora divulgadas deve revelar que Bolsonaro e cúmplices de Bolsonaro são mais cruéis hoje do que alguns militares da Justiça Militar da ditadura.
Não é um consolo, é uma realidade que está sendo investigada pelo historiador Carlos Fico, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que teve acesso aos áudios.
Esta fala é atribuída ao almirante Julio de Sá Bierrenbach, que defende o regime, sem concordar com seus métodos:
“O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes de pior caráter do que o encarcerado.
Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram.
E tudo isso é realizado por policiais sádicos, a fim de manterem elevadas as suas estatísticas de eficiência no esclarecimento de crimes”.
Carlos Fico faz uma observação interessante. Os ministros militares ficavam constrangidos e demonstravam incômodo quando a denúncia era contra colegas fardados.
Como se negassem que militares pudessem ser torturadores. A mesma vergonha não se manifestava com a esma ênfase quando os acusados eram policiais civis ou policiais militares.
Que militares do entorno de Bolsonaro diriam algo parecido hoje sobre o que aconteceu nos porões da ditadura?
Há também, para que volte a inspirar os que ainda resistem, essa fala do advogado Sobral Pinto, o mais bravo defensor de perseguidos pelos militares:
“Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha, para ver como essa tortura se realiza permanentemente”.
A Comissão de Direitos Humanos do Senado está pedindo acesso às gravações. Certamente não acontecerá nada.
Mas este é o tema do momento, a pauta a ser melhor abordada pelo jornalismo. Essa é a prioridade hoje.
É preciso descobrir mais sobre tortura e torturadores e também sobre desaparecimentos, como fazem até hoje argentinos, uruguaios e chilenos.
É preciso saber mais do sadismo daqueles tempos. O professor Carlos Fico conta que em alguns trechos os ministros debocham dos torturados.
As gravações oferecem nova chance para que se saiba mais sobre os crimes da ditadura. E para, quem sabe, pelo menos não deixar em paz os torturadores ainda vivos.
Por pragmatismopolitico.com.br
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