(Foto: Pexels/ Pixabay) |
Quem levantou a lebre foi o jornalista Daniel Weterman e seu texto no Estadão foi republicado em outros jornais ou inspirou novas pesquisas. E as manchetes publicadas incomodaram os donos da empresa citada. podemos dizer assim?, ou seria melhor chamar de partido político?
Weterman sabe das coisas, conhece o pessoal, sabe de suas manhas e isso é importante para se fazer um mergulho mais profundo. Experiência própria. No seu perfil de jornalista premiado, com formação mais para economista, suas antigas ligações com os luteranos explicam suas fontes atualizadas.
Não quero insistir, mas não sou Cícero pegando no pé de Catilina, nem sou jornalista de uma nota só. Simplesmente me surpreendo, quando leio comentários sobre a situação política atual, e quase nunca encontro uma referência aos enrustidos responsáveis por termos chegado onde chegamos.
E embora claramente escondidos nas boas análises políticas, formam o grupo de um terço ou se quiserem, 30% de eleitores que decidiram as eleições em 2018 e ainda hoje permanecem fiéis ao presidente de extrema-direita, apesar de sua fama de nazifascista por seus dizeres racistas, homofóbicos, golpistas, por defender tortura e torturadores e por vulgarizar a compra de armas e assim contribuir para a criminalização no Brasil, entre tantos outros males.
A expansão da religião dita evangélica no Brasil tornou-se hoje um sério tema de sociologia a ser estudado. Não pela sua doutrina, pelos seus catecismos, suas crenças, nem por ser importada dos EUA, mas por ter se tornado um instrumento político de dominação.
Enquanto nos EUA são os brancos que comandam a extrema-direita supremacista, Bannon e Trump se servem de Bolsonaro para criar e propagar uma versão de extrema-direita cabocla pobre e negra, servindo-se de uma versão evangélica fundamentalista, conformista, sem reformas sociais, mas com muitas promessas para depois da morte.
Por isso, a importância da denúncia de Weterman quanto à uma depuração de seus membros planejada pela direção da Igreja Presbiteriana. O assunto era interno, a limpeza seria discreta e ninguém de fora ficaria sabendo, como não ficaram sabendo nos anos de chumbo dos inquéritos dentro dos seminários e igrejas presbiterianas (também em outras denominações protestantes) com expulsões e demissões.
“A cúpula da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) está fechada com Bolsonaro. Nesta reportagem, no Estadão, o relatório da instituição para afastar os cristãos da esquerda”, alertava Daniel no seu post. O título publicado não deixava margem para dúvidas: “Igreja Presbiteriana do Brasil tenta barrar esquerda e abre púlpitos para Bolsonaro (fora da igreja se costuma dizer “abre palanques”). Documento interno recomenda que os pastores orientem seus fiéis para se afastarem da “nefasta influência do pensamento da esquerda”.
O pastor presbiteriano de Curitiba, Osni Ferreira, foi dos primeiros a aderir à caçada que lembra os autos da fé da Inquisição, publicando um vídeo no Youtube,”Nós temos que reeleger Bolsonaro”. Logo depois, no Twitter, Andrade Negro respondia: “O Partido Presbiteriano do Brasil fez strip-tease no púlpito, tirou as vestes de igreja e assumiu sua face de agremiação de extrema-direita”. E Reinaldo Azevedo na Bandeirantes, ia mais longe – se a Igreja Presbiteriana fez a opção de se tornar partido político, deve também abrir mão da isenção de impostos, da qual gozam os evangélicos, suas igrejas, pastores e instituições.
O pastor presidente do supremo concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, Roberto Brasileiro, tentou, no dia seguinte à publicação, se explicar diante da má repercussão da criação da comissão destinada a expurgar os hereges de hoje, como seriam considerados os crentes com tendência de esquerda.
Embora comunista e comunismo não estejam mais no vocabulário político atual, os pastores presbiterianos usam de sua função para chamar de comunista quem tem simpatia por ideias sociais, requentando a velha conversa do perigo comunista. Baseados numa falsa montagem de um vídeo de uma velha entrevista de Lula na China, amedrontam seus seguidores com a afirmação de que se Lula for eleito fechará e destruirá as igrejas. E por falta de cultura e de informação, muitos crentes evangélicos e presbiterianos acreditam.
Ainda com o mesmo objetivo de explicar a criação de autos da fé nas Igrejas Presbiterianas, a Assessoria Jurídica da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) divulgou um parecer no qual mistura liberdade religiosa com laicidade, querendo explicar ser normal se posicionar quanto a certas doutrinas.
Ora, isso é óbvio, mas não é normal querer criar uma triagem entre seus membros e seguidores, justamente sobre comunismo e pensamento de esquerda num momento político eleitoral cujas palavras de ordem bolsonaristas são justamente essas, de condenar comunismo e esquerda.
Há também muita ignorância e má fé nessa tentativa disciplinar, pois nos países europeus de origem dos movimentos da Reforma, uma grande parte dos pastores teólogos atuais não escondem serem de esquerda por condenarem as desigualdades sociais criadas pelo capitalismo. A origem dessas propostas de limpeza dentro das igrejas presbiterianas brasileiras está no movimento supremacista branco norte americano.
Desde domingo e até o dia 31, a direção da Igreja Presbiteriana do Brasil está reunida em Cuiabá, Mato Grosso, com representantes de seus diversos sínodos e, entre os temas a serem discutidos, existe um relatório sobre a atitude a se tomar quanto aos seus membros de igreja com tendência política de esquerda ou suspeitos de serem de esquerda, chamando-os de “comunistas”.
Segundo a proposta, os pastores e presbíteros deverão tentar convencer esses membros a mudarem de ideia e a se tornarem politicamente de direita e eleitores do presidente Bolsonaro. Caso não levem a sério, deverão ser admoestados, mas se persistirem no chamado mau caminho, deverão ser desligados da igreja ou expulsos.
Os primeiros visados são os que ocupam posição de influência dentro da igreja, como diáconos e presbíteros, mas principalmente professores de escola dominical. A Escola Dominical é uma tradição das igrejas protestantes, pela qual em todo domingo, antes do culto, os membros da igreja são divididos em classes de crianças, jovens, senhores e senhoras, para estudarem temas bíblicos com professores voluntários também membros das igrejas.
O Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, que não tomou nenhuma medida, quando do escândalo de corrupção envolvendo o pastor Milton Ribeiro, não esconde sua adesão ao presidente Bolsonaro, retribuindo assim a política de Bolsonaro que tem favorecido evangélicos e principalmente presbiterianos.
Além de Milton Ribeiro, o último ministro do STF, indicado por Bolsonaro, André Mendonça é jurista, mas é também pastor presbiteriano. Para compensar a perda do emprego de ministro da Educação, o Instituto Mackenzie, criado pela Igreja Presbiteriana, segundo informações publicadas na imprensa, já ofereceu um posto de direção ao pastor Milton Ribeiro.
Essa intervenção da Igreja Presbiteriana do Brasil na política, imitando a ala conservadora, retrógrada e fundamentalista das igrejas presbiterianas norte-americanas, não é nova. A direção da Igreja Presbiteriana do Brasil apoiou o golpe de 64 e o governo militar até 1985, e criou uma espécie de inquérito policial militar dentro das igrejas, demitindo pastores e seminaristas de esquerda ou suspeitos de esquerda.
Foi nessa época, 1973, que mataram no Doi-Codi o ex-deputado catarinense Paulo Stuart Wright, ex-Ação Popular, que por ironia da vida, era filho de pastores presbiterianos missionários norte-americanos em Santa Catarina. Seu irmão, James Wright, era pastor, e foi desligado e demitido da Igreja Presbiteriana durante o auto da fé ou Inquérito Político nela criado pelo presidente do Supremo concílio da época, Boanerges Ribeiro,
O Brasil, segundo a Constituição é um país laico, mas o governo Bolsonaro tem desrespeitado esse princípio. A Igreja Presbiteriana deixa também de ser uma religião devotada a Deus para apoiar um presidente nada cristão, que está promovendo a posse de armas pelo povo, justifica e elogia torturadores, além de promover a destruição da Amazônia.
No dia 11 de agosto, a sociedade civil divulgará um documento, a Carta às/aos brasileiras/os, contra o golpe planejado. A Igreja Presbiteriana do Brasil, assim como as evangélicas estarão de fora e, num futuro próximo, isso terá um preço em termos de perda da credibilidade.
Ao promover a campanha pela reeleição de Bolsonaro, presidente de extrema-direita acusado mesmo de nazi-fascismo, os líderes presbiterianos dão as costas aos princípios básicos da Reforma. É bom lembrar que as igrejas e suas instituições estão livres do pagamento de impostos e que, no caso específico da Igreja Presbiteriana, é uma igreja de importação estrangeira que, junto com os demais evangélicos, com seus gospels e tradições importadas dos EUA estão atentando contra a cultura brasileira.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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