O que era previsto, aconteceu. Carla Zambelli recebeu a visita da Polícia Federal logo cedo em sua casa e em seu gabinete. Hacker contratado pela deputada para tentar invadir o sistema eleitoral foi preso. Zambelli já começa a ser abandonada pelos próprios correligionários, que a consideram 'radioativa'. Após operação da PF, Bolsonaro se manifesta e diz que não encontra com a deputada "desde janeiro"
por Leonardo Sakamoto
O que era previsto, aconteceu. Carla Zambelli (PL-SP) recebeu a visita da Polícia Federal em seu gabinete e em endereço residencial, em Brasília, na manhã desta quarta (2), em meio à investigação sobre a invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a inserção de um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes e de alvarás de soltura, todos falsos.
Ela teria contratado o hacker Walter Delgatti, que ficou famoso por conta da Vaza Jato, para tentar mostrar que o sistema eleitoral era vulnerável e comprovar as mentiras contadas por Jair Bolsonaro de que a urna eletrônica era frágil. Como, claro, ele não conseguiu invadir o sistema eletrônico de votação, optou pelo CNJ.
Delgatti, que foi preso novamente na operação desta quarta, teria dito que a invasão foi um prêmio de consolação para Zambelli e que ela ajudou a redigir a ordem de prisão falsa contra Moraes. Como havia revelado Octávio Guedes, no G1, o hacker se vê como arquivo vivo que, agora, teme ser deletado.
A operação da PF abre a contagem regressiva para a cassação de Carla Zambelli, a segunda parlamentar mais bem votada na eleição para a Câmara dos Deputados, em São Paulo, ficando atrás apenas de Guilherme Boulos (PSOL).
Apesar de o Congresso Nacional ser corporativista, ela passou ser vista como radioativa no próprio seio bolsonarista, que poderia oferecer alguma resistência a uma decisão da Justiça ou a um processo interno por quebra de decoro. O vulgarmente conhecido “espanta rodinhas”. Já, no campo governista, parlamentares já comentam com “tic tac”.
Zambelli vem se envolvendo em confusões desde o segundo turno no ano passado. No sábado, 29 de outubro, dia anterior à votação, perseguiu um homem negro com uma pistola em punho pelas ruas do rico bairro dos Jardins, na capital paulista, causando terror entre os pedestres e motoristas.
Vídeos mostraram a deputada entrando em uma lanchonete com a arma apontada para o homem, causando pânico nos outros clientes que consumiam no local. Ela estava acompanhada de outras pessoas, também armadas. Em sua defesa, diz que foi agredida e empurrada. “Eles usaram um negro para vir em cima de mim”, afirmou em um vídeo que divulgou. Contudo, outra imagem mostra a deputada caindo sozinha após tentar ir para cima do homem após ele tê-la ofendido.
Aliados de Bolsonaro avaliam que o episódio prejudicou a reeleição do presidente, tal como o ataque de Roberto Jefferson com fuzis e granadas contra a PF, que resultou em dois agentes feridos.
Depois, a deputada passou a atuar em defesa de um golpe de Estado. Divulgou um vídeo, no dia 29 de novembro, em que incentivava generais a não reconhecerem o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e atenderem às demandas dos que acampavam nas portas de quartéis pedindo um golpe militar.
“Dia 1º de janeiro, senhores generais quatro estrelas, vocês vão querer prestar continência a um bandido ou à nação brasileira?” Ela também criticou o Supremo Tribunal Federal e disse que os militares é que são a “garantia da lei e da ordem” no Brasil. O material foi gravado por Zambelli após o Exército divulgar uma nota afirmando que militares da ativa são apartidários.
O artigo 286 do Código Penal afirma que comete crime passível de prisão “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”. Também preveem prisão o artigo 359-L (“tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”) e o 359-M (“tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”).
Em um jantar de confraternização do PL, também no final de novembro, a deputada teria exigido que Jair Bolsonaro fosse às ruas apoiar os golpistas.
Acampamentos em frente aos quartéis serviram de base para atos de caráter golpista. Por exemplo, o principal deles, montado em frente ao QG do Exército, serviu de cabeça-de-ponte para o ataque à sede da PF e a queima de carros e ônibus em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula pelo TSE; a colocação de uma bomba em um caminhão de combustível a fim de explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal; e os atos que vandalizaram o STF, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional em 8 de janeiro.
Ou seja, com a somatória de tudo o que pesa contra a deputada, pode ficar barato se ela perder apenas o mandato por quebra de decoro parlamentar e não for processada, condenada e, enfim, presa.
NOTA: Após a operação da PF contra Zambelli, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse a aliados não atender os chamados de Zambelli desde janeiro. Ele teria dito que chegou a ser procurado pela parlamentar novamente nas últimas semanas, mas decidiu não atender aos telefonemas.
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